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BLOG DO LICÍNIO

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Farmacêutico, Professor e Franciscano Secular

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A Galinha Acéfala

 Hoje me lembrava de quando eu era criança e ia para a roça do meu avô. Tinha uma cozinheira lá que se chamava Vilma. Eu e meu irmão, com aquele olhar compungido e ao mesmo tempo sádico de crianças da cidade, não perdíamos a hora que a Vilma ia matar uma galinha para o almoço de domingo.


Certa feita, logo após a protocolar torcida no pescoço da penada, a Vilma passou a faca para deixá-la sangrar. Por um descuido, afrouxou os pés que imobilizavam as asas da pobre moribunda e eis que ela saiu correndo e esvoaçando pelo quintal. O detalhe é que já não tinha cabeça ligada ao pescoço. Depois de trombar em tudo que aparecia em seu caminho, com o sangue esvaindo de onde deveria estar a cabeça e deixando qualquer filme de terror no chinelo, por fim a desventurada tombou. Como vêem, carrego essa imagem e esse trauma até hoje. Meu irmão se recusou a comer a galinha naquele domingo.

Por que estava lembrando disso?

Eu refletia de como nosso país se assemelha àquela galinha. Estamos completamente acéfalos em meio a uma pandemia, correndo em todas as direções e mostrando nossas chagas ao mundo.

Não fui vacinado até hoje. Isso em si não é o problema. O problema mesmo é a falta de perspectiva. Para aqueles que não são da área é importante esclarecer que o Brasil já teve um PNI (plano nacional de imunização). Com ele éramos capazes de fazer campanhas vacinais e em um sábado, imunizar milhões de pessoas.

E não, não é saudosismo do PT! O PNI começou ainda durante a ditadura militar e pasmem: vacinar era obrigatório!

Lógico que ao longo dos anos e principalmente após a implantação do SUS, o número de vacinas e a capilaridade do sistema foram ampliados. Hoje o que vejo é uma total desarticulação. BH tem critério diferente de Contagem, que por sua vez é diferente de Betim. O Mato Grosso do sul vacinou mais rápido que Minas Gerais e São Paulo.

Quem já conseguiu ser vacinado fica na expectativa se haverá vacina para a 2ª dose...ou seja estamos sem rumo e sem norte. Somos como a galinha sem cabeça a trombar uns contra os outros, esvaindo nossa força vital e correndo meio que por reflexo na tentativa de evitar a nossa morte.

Espero que não tenhamos o mesmo fim da galinha da minha infância e que ao menos nós, mantenhamos a cabeça no lugar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Minha ilha, meu coração.

Tem momentos que dá vontade de comprar uma ilha, não muito pequena, mas também não muito grande. Lá eu construiria um país só para os meus amigos. Não precisaria nem que pensassem igual a mim, mas que fossem dados à gentileza e à cordialidade.

Esses amigos precisariam ser também misericordiosos a tal ponto que ninguém sofresse solitariamente. Deveriam também amar o improvável, o feio, o sujo e o pobre mau cheiroso, pois tenho outros amigos que são assim e também estariam na minha ilha.

Na minha ilha/país as casas não teriam cercas e as portas não teriam tranca. As ruas seriam das crianças e não haveria carros.

Não haveria aparelhos de som e a música deveria ser tocada ao vivo, ou cantada nos chuveiros. O silêncio seria obrigatório até o meio-dia e não haveria despertadores.

Não haveria celulares, mas as cadeiras nas calçadas seriam aos milhares.

Lá não haveria armas, só seriam permitidas as facas para descascar laranjas. As frutas seriam colhidas no pé só quando maduras. E seriam muitas árvores, tantas e tão frondosas que seria impossível se queimar de sol ao andar pelas ruas.

Mais uma coisa que não haveria é a culpa, pois seríamos fiéis guardiães da inocência. Haveria Deus, mas não haveria religiões que O aprisionassem. Meu Deus é libertador!

Fiquei pensando em um nome para milha ilha/país. Acho que vou chamá-la de Coração!

Quem quer viver na minha ilha?

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A difícil arte de manter a Paz.

 Licínio Andrade Gonçalves

Originalmente publicado no Facebook dia 11.03.2020

Segunda-feira, 09 de março. Como não tinha auxiliar de farmácia algum, fui mais cedo ao posto de saúde onde trabalho para passar as rotinas e apresentar o local a uma auxiliar emprestada de outra UBS.

Como a fila estava enorme, eu estava atendendo também.

Dada hora, ainda na parte da manhã, a auxiliar me mostra uma prescrição de antibiótico com uma posologia para lá de esquisita. Achei que o prescritor havia se enganado, usando o nome de um medicamento e a forma de uso de outro. Acontece!

Questionei ao usuário que me afirmou ter feito uma cirurgia recentemente. Fiquei mais atento ainda. Resolvi não dispensar o medicamento e solicitar ao prescritor que confirmasse a posologia ou justificasse sua alteração. Para quem não sabe, antibióticos têm hoje um rigor na dispensação semelhante aos psicotrópicos.

Foi o suficiente para o senhor sair do sério e, me ofendendo, dizer que eu era obrigado a atender o que o médico havia prescrito. Que eu não passava de um empregado e não tinha que questionar nada.

Dai para começar a ofender o SUS foi um pulinho. Dizendo que teve que pagar a cirurgia particular, pois a fila no SUS não andava. Que era empresário e que iria fechar a empresa para parar de pagar imposto...bom, foi o pacote de queixas completo.

A cereja do bolo, entretanto, ficou para o final. Cheio de raiva e arrogância, disse que não precisava do SUS, pois tinha dinheiro e aí pegou a carteira e começou a me mostrar notas de R$50,00.

Há momentos que entendo perfeitamente o termo Diabo ou Diabolus no grego, que significa "o que divide". São pessoas que desunem, dividem nosso espírito e quebram nossa paz. Fiquei o dia inteiro chateado, com uma sensação de energia dragada, vampirizada.

Eu só lembro de São Francisco nestas horas. A Perfeita Alegria que ele propõe é não perdermos nossa paz por mais que o mundo nos maltrate. Ainda não cheguei lá!

E lá se foi o pobre diabo resmungando e praguejando contra mim e contra tudo. Pobre diabo, não! Pelo que me disse, aquele se achava um diabo rico.

Quando Deus nos soca o estômago.

Licínio Andrade Gonçalves

Originalmente publicado no Facebook dia 20.03.2020

Às vezes Deus coloca pessoas na nossa vida para mostrar o quão pouco conhecemos dEle! Hoje, 20.03.20, mais uma vez Ele veio à janela da farmácia da UBS Alvorada - na verdade Ele não falha nem um dia - e me socou o estômago vazio de meio-dia.

Em plena pandemia de Covid-19, me ponho a atender uma senhora na casa dos seus 80 e tantos anos, negra e de voz forte, cabelos indicando a muita idade. Ela me estende uma prescrição que prontamente atendo. Naquele momento, dono da atenção da sra. Maria da Conceição (nome real) moradora da Vila Boa Esperança, em Betim, aproveito a oportunidade para lhe aconselhar a ficar em casa e evitar contatos sociais, especialmente o ônibus que ela me relatou ter pegado para chegar ali.

Foi um papo interessante. Eu tentando assustá-la e ela se assustando de verdade. Foi quando ela me estendeu outra prescrição, a da sua filha de 40 e poucos anos. Foi aí que eu cresci! Como uma filha deixava a mãe ir buscar medicamentos em um posto lotado em plena campanha para "trancafiar" os idosos em casa?

Cheio de mim, achando que estava fazendo um bem para a humanidade, sentenciei: - Dona Maria, fale com sua filha que eu proibi a senhora de vir buscar medicamentos aqui pelos próximos 4 meses! Ela só fazia rir do meu jeito brincalhão.

Querendo render assunto perguntei sobre o trabalho da filha. Estava desempregada há mais de ano. Uma menininha pra criar e que, muitas vezes, não tinha o que dar para comer. O nó começou a me estrangular. Parei de falar e comecei a ouvir. No fim descobri que Dona Maria Conceição era a única que podia buscar os remédios, pois não pagava ônibus.

Quando, sentado no meu apartamento de classe média em Belo Horizonte, eu poderia imaginar que Dona Maria, como muitas Marias do mundo, não tinha outra opção a não ser ir ela mesma buscar os medicamentos da família?

São nestes momentos que o nó estrangula e sufoca, que a visão se turva e goteja, pois vejo Jesus crucificado ali na minha frente.

Paz e Bem!

É hora de deixar a segurança da escravidão

Licínio Andrade Gonçalves

Originalmente publicado no Facebook em 25.06.2020


Não importa o horário. Todos os momentos têm sido tardes de domingo. É aquela angústia, aquela sensação de hora do "Fantástico" se aproximando, mesmo não assistindo a rede Globo.

Há algo de esquisito no ar, como se a realidade estivesse mais densa, como se o ar tivesse ficado mais viscoso. As pessoas andam tristes. Acho que é isso! A tristeza adensa, gruda e faz tudo andar como se estivéssemos com o freio de mão puxado. É que está morrendo muita gente. Muita gente também está sem perspectiva e vive uma outra morte. Há ainda quem beba dessa bebida densa, viscosa e fúnebre dos nossos dia e, envenenada a alma, saia contagiando ódio. Diferente da Covid-19, o ódio não deixa ninguém assintomático. Pior ainda, não confere imunidade definitiva.

Em italiano a palavra "bruto" quer dizer feio. Não encontrei melhor definição para os nossos dias. São tempos brutíssimos nos dois idiomas. Quando li sobre a nuvem de gafanhotos não puder deixar de lembrar das pragas do Egito. O que diriam os antigos se vissem rios de lama, mares negros de óleo, incêndios que consomem florestas, dias transformados em noites pela fumaça, cervejas envenenadas, mortes incontáveis por uma doença invisível e agora nuvens de gafanhotos. O problema é que não há Moisés que dê conta. Haja sangue de cordeiro para passar nos umbrais de nossas portas.

O anjo da morte está colhendo não só os primogênitos, mas agora leva também os anciãos. Se não fizermos nosso êxodo agora, as tropas milicianas do Faraó nos alcançarão. É hora de deixar a segurança da escravidão e nos aventuramos no deserto da liberdade. Nosso modelo de sociedade expôs suas chagas purulentas. Temos que abrir o mar, este mar denso e viscoso que se tornou nossa realidade, fazer a travessia. Vivemos em tempos divisores de águas, não nos enganemos. Resta saber quem chegará ao outro lado de pés enxutos.

Paz e Bem!

Onde as certezas não dão lugar à razão.

Licínio Andrade Gonçalves

Publicado originalmente no Facebook no dia 28.08.2020

Há muito penso em um dilema: é justo condenar com os olhos de hoje erros das gerações passadas? Posso eu, com os meus olhos de homem branco ocidental do século XXI, julgar o meu ancestral europeu pela invasão do continente americano, pela escravidão negra e genocídio indígena? Atenção, assumo que temos uma dívida histórica com estes povos e acho justa e necessária qualquer política de reparação, como as cotas, as demarcações de terras indígenas e quilombolas... Só questiono uma condenação retrógrada, quando temos parâmetros morais diferentes (mais evoluídos, quero crer).

O que dirão as gerações futuras ao analisar nossa sociedade? Tenho certeza que seremos tidos como bárbaros! Afinal, apesar de ser legal e defendido por boa parcela da população, o que parecerá o homem do futuro sobre o despejo de famílias pobres e trabalhadoras para dar as terras a um latifundiário devedor de impostos? Já repararam que as pessoas em situação de rua viraram paisagem? Que as mulheres ganham menos fazendo o mesmo trabalho e muitos acha que tem que ser assim mesmo, pois engravidam?

Mas graças a Deus evoluímos e evoluiremos, reconhecendo erros e tentando não mais cometê-los. Não sou escravo do meu passado, apesar de ser responsável por ele. Se eu não pudesse ser melhor, de que serviria viver?

Às vezes me pergunto o que pensam meus companheiros de farra e esbórnia ao me verem franciscano secular. Já fiz muita coisa errada (aos olhos de hoje) e que não repetiria se tivesse a cabeça que tenho agora. Nem por isso me sinto acorrentado por elas. Posso estar errado em uma série de coisas que defendo hoje e quase certamente estarei, mas vivo e digo o que acredito agora.

Quanto a criança que estava grávida de outra criança, penso que haveria um bom número de possibilidades diferentes, menos violentas e traumáticas, mas quem sou eu para condená-la? Fosse ela minha filha talvez não deixasse que abortasse, mas ela não é!

Nem sei se tem alguma crença, se reza para algum deus. Creio ser difícil acreditar em Deus sendo estuprada desde os 6 anos. Como dizer que Deus é Pai, quando segundo o estuprador, o seu pai também abusava dela? Ao termos a possibilidade de apresentar um Deus que acolhe e que está ao lado do sofredor, pois Ele mesmo sofreu as injustiças desse mundo, apresentamos um deus que condena, que excomunga, que abre as portas do inferno.

No direito canônico não há abertura para o aborto, mas não é o Código Canônico que rege nossa sociedade. Pode ser que no futuro entendamos que o aborto realmente é um crime, ou que não. Com certeza continuaremos a ter certeza que o estupro o é!

Milenarmente as índias matam bebês que nasçam com deficiências, gêmeos ou frutos de adultério. Vão todas para o inferno? Na cresça delas é o que há de mais humano a fazer com aquelas crianças e o fazem por tradição e por amor.

Divagações, eu sei, mas achei serem relevantes neste momento sombrio da história onde as certezas não dão lugar à razão!

Cadê o orgulho de ser brasileiro?

Licínio Andrade Gonçalves


Li a publicação da amiga/irmã Giovanna Fonseca Beaumord, que contava algo que também vivemos: o orgulho de sermos brasileiros no exterior. Não vou enaltecer somente o Lula, pois ele foi a expressão de um anseio popular forjado a duras penas e lutas diárias contra uma política econômica e social excludente e elitista, m
as houve época que ser percebido como estrangeiro e se declarar brasileiro era quase um êxtase.

O Brasil era exemplo da superação das desigualdades e tínhamos a ousadia de sermos terceiro mundo com orgulho. O orgulho não residia em podermos viajar para o exterior, nem em ter acesso aos bem de consumo desejados, mas em vermos negros nas universidades, cidadãos das classes C e D viajando de avião, o trabalhador tendo direito a fazer um churrasco e comendo 3 (ou mais) vezes ao dia.

Qualquer cristão deveria se sentir orgulhoso disso. Mesmo para os pentecostais defensores da "teologia da prosperidade", um país assim deveria ser sinal da aprovação do deus que eles acreditam. Mas não, não basta eu estar bem, não basta eu ter minhas necessidades satisfeitas, na cabeça doentia de uma "elite do atraso" (segundo Jessé de Souza) o que importa é eu estar melhor que os outros. Meu filho, branco, poliglota e educado em um dos melhores colégios católicos de Minas Gerais, não poderia dividir assento nas Universidades Federais com negros e pobres. Isso tinha que acabar!

Leonardo Boff diz que "cada ponto de vista é a vista de um ponto". É justamente nessa hora que agradeço a graça divina, ao Deus que acredito, por ter me oportunizado duas coisa simultaneamente: ter a educação da classe média e a perspectiva dos pobres.

É por isso que postei a imagem abaixo. Tenho uma profunda vergonha de um povo autofágico, que prefere entrar para a história como o segundo país que mais matou gente durante a pandemia do que admitir que errou na escolha do presidente. Aproximadamente 1/4 da população brasileira ainda se ocupa da ginástica absurdamente exaustiva de defender o governo federal.

Por fim, me restam algumas certezas: 1ª estou certo, 2ª mais cedo ou mais tarde vamos sair dessa, 3ª se você acha bom o que está acontecendo ou é empresário, ou é iludido ou é burro mesmo!


Paz e Bem a todos!